A mulher e o períneo

26/02/2016

Incontinência Urinária por Bexiga Neurogênica

Filed under: Incontinência Urinária — A mulher e o períneo @ 9:15 am

Olá. Antes de iniciarmos a discussão desse tema tão importante, gostaria de fazer um comunicado.

Este blog ficou paralisado por alguns anos, devido a condições pessoais e muita atividade profissional e acadêmica de minha parte. Como tenho compromisso de colocar informações baseadas em muita pesquisa científica, não tive outra opção a não ser adiar esse projeto até um momento em que eu pudesse investir o tempo que ele merece.

Felizmente esse momento chegou. Voltarei a atualizar o blog periodicamente. Ao longo desses anos recebi diversos comentários de leitores. Procurei responder todos por e-mail. Peço desculpas se algum comentário (e alguma dúvida) não tenha sido respondido. Caso isso tenha acontecido, solicito que escrevam de novo, pois os comentários antigos (desse período de inatividade do blog) não serão expostos aqui.

Sejam bem vindos novamente.

Samantha Rizzi

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Vamos conversar um pouquinho sobre Bexiga Neurogênica.

Aprendemos anteriormente em “Como Fazemos Xixi” e em “Controle da Bexiga” que  o ato de urinar depende do funcionamento adequado da bexiga e dos músculos do assoalho pélvico, além da ação do Sistema Nervoso (Central e Periférico).

Incontinência Urinária por Bexiga Neurogênica é aquela ocasionada por alguma alteração no Sistema Nervoso, ou seja, por problemas neurológicos.

Vamos lembrar que nos bebês a bexiga cheia manda informação pra medula, desencadeando um reflexo que leva o assoalho pélvico a relaxar e a bexiga a contrair, com consequente ato de urinar.  Após o desfralde, a informação de bexiga cheia que chega à medula sobe e o ato de urinar passa a ser controlado pelo cérebro. Quando decidimos urinar, vamos ao banheiro, relaxamos o assoalho pélvico (esfincter da uretra) e consequentemente a bexiga contrai com expulsão da urina em jato.

Sabendo disso, fica fácil entender porque qualquer problema neurológico dentro do cérebro pode ocasionar incontinência urinária.

 

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A partir do momento que o funcionamento cerebral está alterado, esse controle consciente do ato de urinar pode ficar prejudicado, com surgimento de Incontinência Urinária por causa Neurogênica.

 

Abaixo estão citadas duas patologias cerebrais bastante comuns , que podem estar relacionadas ao surgimento de Incontinência Urinária:

 

 

Acidente Vascular Encefálico (AVE)

Sintomas-do-AVC(1)

O AVE é popularmente conhecido como AVC (Acidente Vascular Cerebral). O grau de comprometimento da micção vai depender da extensão da lesão e do local do cérebro afetado.

Geralmente logo após o AVE o paciente apresenta retenção de urina por falta de contração do músculo da bexiga – o que se denomina arreflexia do detrusor. Após algumas semanas, o paciente começa a apresentar sintomas de Bexiga Hiperativa, com contrações não controladas do detrusor.

Abaixo está um desenho de uma bexiga com arreflexia (bexiga hipoativa) e de uma bexiga hiperativa.

BHH com fonte

Existem pacientes que conseguem perceber quando a bexiga está contraindo fora de hora (pelo desejo repentino de urinar) e, ao contrair os músculos do assoalho pélvico (esfíncter da uretra), são capazes de evitar a perda urinária. Alguns pacientes, no entanto, apesar de perceberem a contração da bexiga, não terão esse controle adequado de esfíncter e apresentarão perda urinária. Outros, podem nem sentir a contração da bexiga, nem controlar o esfincter.

 

Doença de Parkinson

Parkinson com fonte

A Doença de Parkinson afeta homens e mulheres, com prevalência um pouco maior em homens. O aparecimento da doença pode ocorrer em qualquer idade, mas é mais frequente após os 60 anos de idade. Os principais sintomas da doença são tremores, rigidez muscular, falta de expressão facial e dificuldade em iniciar movimentos.

No entanto, mais da metade dos pacientes com Parkinson apresenta também sintomas de incontinência urinária. O local do cérebro afetado pela Doença de Parkinson é chamado Substância Negra e essa região tem efeito inibitório do reflexo de micção, ou seja, ajuda a bexiga a ficar relaxada na fase de enchimento vesical. Assim, quando a substância negra está afetada, esse efeito de inibição pode diminuir, ocasionando sintomas de urgência miccional ou Bexiga Hiperativa. Além da alteração na bexiga, os pacientes geralmente apresentam perda do controle muscular do assoalho pélvico. Assim, a bexiga contrai, mas o esfincter pode permanecer fechado – essa situação é denominada dissinergia detrusor – esfincteriana.

Apesar do padrão relatado acima acontecer na maioria dos casos, alguns pacientes podem desenvolver bexiga hipoativa. Nesses casos, a bexiga não contrai ou contrai com pouca força. Essa situação, associada ao fechamento do esfíncter por incoordenação, devido a falta de controle muscular, ocasiona esvaziamento incompleto da bexiga e retenção urinária.

 

 

 

Além das alterações cerebrais, problemas na medula e nos nervos periféricos também podem levar a incontinência urinária. Vamos conversar um pouquinho aqui sobre as lesões medulares.

 

niveismedula com fonte

Antes de começarmos, importante explicar que durante nosso desenvolvimento existe uma diferença de ritmo de crescimento entre a coluna e a medula. Esse crescimento desigual entre coluna e medula faz com que não haja correspondência exata entre a vértebra e o segmento da medula subjacente, principalmente no final do coluna. Observe no desenho ao lado essa relação.

 

Importante saber esse dado, pois dependendo do local de lesão medular pode haver um padrão diferente de incontinência urinária.

 

 

 Lesão medular

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A medula espinhal pode sofrer lesões de diversas origens. As lesões traumáticas são as mais frequentes: acidentes de trânsito, quedas, lesões por arma branca ou arma de fogo, agressões etc. São lesões comuns em pessoas jovens.

Lesões na região cervical ou torácica alta causam tetraplegia e lesões na região lombar ou torácica baixa causam paraplegias. Essas lesões podem ser totais (total destruição da medula naquele seguimento) ou parciais. Dependendo do grau de lesão, as sequelas serão de perda total ou parcial do movimento abaixo do nível de lesão.

 

Sabendo que o controle e a coordenação do enchimento e do esvaziamento da bexiga dependem da integridade do Sistema Nervoso Central e Periférico, fica fácil saber porque as lesões medulares também ocasionarão disfunções urinárias.

Vamos recordar o controle da bexiga. O Sistema Nervoso Autônomo é parte do Sistema Nervoso Periférico. O Sistema Nervoso Simpático é responsável por manter a bexiga relaxada e o períneo contraído na fase de enchimento vesical e o Sistema Nervoso Parassimpático é responsável pela contração da bexiga e relaxamento do períneo durante a fase de esvaziamento.

centro da micção com fonte

 

Após lesão medular, podemos dividir o quadro clínico do paciente em duas fases: aguda e crônica.

fase aguda também é chamada de fase de choque medular. O padrão urinário encontrado é de arreflexia (bexiga hipoativa). O paciente fica com retenção urinária, pois a bexiga não tem força de contração necessária para esvaziar.

Após essa fase de choque, que pode durar de seis a doze semanas mais ou menos, inicia-se a fase crônica. O padrão urinário a partir desse momento vai depender da altura da lesão medular: se a lesão for acima da região sacral (suprassacral) da medula ou se for na região sacral da medula.  A lesão pode ocorrer também abaixo da região sacral, nos nervos periféricos abaixo dessa região.

 

medular-1 com fonte

 

 

 

 

 

 

 

Lesão medular suprassacral: geralmente ocorre perda do controle voluntário da micção. O padrão é de contrações não controladas da bexiga – bexiga hiperativa. Além disso, o paciente perde a coordenação entre o contração da bexiga e relaxamento de esfincter. A bexiga contrai, mas o esfincter pode não estar relaxado. Isso aumenta a pressão dentro da bexiga.

 

Lesão medular sacral: O centro parassimpático está localizado na região sacral. Lembrem que ele é o responsável por promover a contração da bexiga. O padrão mais comum quando tem lesão medular nesse local  é o de bexiga hipoativa. No entanto, se a lesão for incompleta, o paciente pode apresentar padrão de hiperatividade. O padrão de atividade do esfíncter é variável – pode estar com tensão elevada ou diminuída.

 

Lesão nos nervos periféricos abaixo da região sacral: Quando ocorre lesão nessa altura, geralmente o paciente tem bexiga hipoativa. Pode ocorrer também prejuízo da função de controle de esfincter.

 

 

 

Os padrões descritos acima são os mais comuns, mas devem ser investigados e avaliados periodicamente, pois podem alterar ao longo do tempo. O exame que evidencia qual o padrão existente é o EXAME URODINÂMICO. Falaremos bastante desse exame mais pra frente neste blog.

 

O paciente com lesão medular deve ser sempre acompanhado por urologista, para evitar complicações. Infecções urinárias são frequentes nesses pacientes. Além disso, devido a dificuldade em controlar esfincter associada à retenção urinária por bexiga flácida ou  contração não controlada da bexiga no caso de bexiga hiperativa, pode haver, dentre outras complicações, refluxo da urina da bexiga pros rins. Esse quadro é grave e pode levar a comprometimento renal irreversível. Então, atenção contínua à função urinária do paciente com lesão medular é essencial.  

Falaremos mais sobre isso quando formos conversar sobre tratamento da Incontinência Urinária.

 

Antes de concluir, gostaria de enfatizar que aqui foram relatadas apenas algumas causas de Bexiga Neurogênica. Importante sabermos que qualquer alteração no Sistema Nervoso Central ou Periférico que interfira no funcionamento da bexiga pode ocasionar Bexiga Neurogênica.

 

 

Ótimo fim de semana a todos.

2 Comentários »

  1. Parabéns, Samantha! O texto é muito objetivo e interessante! Tô gostando muito de acompanhar as matérias do blog, ajudam as mulheres a conhecerem melhor o corpo.

    Comentário por Rosana — 26/02/2016 @ 10:19 pm

  2. Texto muito bom e completo, de forma direta e simplificada !! Parabéns Samantha !!!

    Comentário por Rebecca Gonçalves — 27/02/2016 @ 1:13 pm


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